Lisandro amaral

Porteira a fora

Lisandro amaral
Chegou linda a primavera,
Cavalhada pelechando,
Os cordeiros retoçando
É tempo de marcação,
Serviço que é tradição
Nestes pagos da fronteira
E a nossa gente campeira
Firma a têmpera do braço
Pealando de todo o laço
Sobre a praia da mangueira....

Os campeiros desencilham
Na sombra das caneleiras,

Os ovelheiros ficam cuidando os arreios,
Um guaxo pampa quer lamber as barrigueiras,
Voam mutucas, pateiam pingos atados
E um cardeal canta no alto das taquareiras.

Nuvens de poeira se levantam céu adentro
Nascem do centro do chão duro da mangueira,
Costeiam vacas berrando pelos terneiros
E um joão barreiro proseia co'a companheira.

Tinem arames, terneirada mal costeada
E a gauchada tira as botas, se arremanga
Canha e pitanga são remédios numa guampa
Essência pampa, gosto de mato e de sanga.

Botale fogo nessas marca Gratulino
Porque o Silvino Bololó ta de a cavalo
O Mano Vaz estira o laço num moerão
E o Borbinha toma um trago no gargalo.

O seu Pituca espeta a carne pra'o assado
O Cipriano peala, capa e assinala
Homens maduros sentados sobre os arreios
E nesse meio o mate acompanha a fala.

Dono da casa seu Venâncio arrisca um pealo,
Bem de a cavalo, o Bololó livra o tirão
Gritos de: -aperta, venha a marca, ta pealado,
Tem ovo assado no brasedo do fogão.

-Lindo pealo, gritam todos,
Aperta que é do patrão!
Don Venâncio simbra o laço
Por sobre os calos da mão.

-Pago o pealo- grita um, sovéu armado,
Bem reboleado, zunindo a armada no ar.
-Deixa que saia olhando pro campo aberto
Que o tombo é certo quando o sovéu terminar.

-Vira pr'a fica do lado!
Fala um que leva a marca.
-Quebra a cola seu Foroso
Que o seu Juca corre a tarca!

-Esse é pra touro, não capa!
Ordena, firme, o patrão.
-Capricha no sentá a marca,
Palmo acima do garrão.

Que gente buena destes pagos de mi flor...
No tirador, capincho em couro sovado
No lenço atado, bandeira pampa que esvoa
Quando encordoa um terneiro pra um bolcado

O Luiz Bacia pede cancha, armando o laço
E para o braço num tiro, longe, de atrás,
Pealo de mestre quando a trança se termina
E o tombo é sina que a natureza desfaz.

O Diamantino raça de índio pampeano
Um soberano mesmo sem nada na vida
Tropeiro andejo, obediente e servidor
Do corredor, fez casa, rumo e partida.

Eu fui guri que aprendeu a cucharrear
E derrubar na saída da porteira
Fui mandalete de alcançar marca e serrote
Carneá um munício e desmancha pras cuzinheira.

Fui guitarreiro e toquei gaita nos galpões
E nos fogões alegrando a gauchada
Andei por tudo pealando quando cresci
"Dês que" saí dos pagos da Encruzilhada.

Me fiz homen nesse tempo,
De aperta, marca, assinala
É por isso que essas coisas:
Renascem em nossa fala.

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